quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Robertinho de Recife - Parte 2

Trechos do livro de José Teles – “Do Frevo ao Manguebeat”:

“Foi por ocasião da apresentação final de 2001: O Tempo e o Som, com o LSE, que ele conheceu uns americanos que curtiam baratos estranhos. Eles estavam na fila do gargarejo. Um dos gringos atendia por Arto Lindsay, outro Carl Kolb. Robertinho foi convidado para tocar no Contribution, cujo repertório baseava-se no pop rock, pouco conhecido no Brasil, de Jefferson Airplane, John Mayall e Crosby, Stills, Nash & Young. O grupo não teve vida longa.
No início dos anos 70, os americanos voltaram para os EUA. Arto Lindsay para uma universidade na Flórida, Carl Kolb para o Mississipi. Não tardou, Kolb, que havia levado algumas fitas do Contribution, escreveu para Robertinho, contando que os gringos haviam adorado o som da banda, sobretudo a guitarra dele. Enfim, convidou o ainda adolescente guitarrista para ir aos Estados Unidos:

“Eu estava com 16 pra 17 anos e cheguei com a maior mentira pra cima do meu pai, porque a princípio ele havia dito: “Você é louco ? Vai deixar seus estudos ? Se fosse pelo menos para estudar...”Aquilo me deu uma idéia, eu falei para o Carl Kolb e ele mandou uma carta com papel timbrado, dizendo que eu havia sido aceito na universidade !”

Os pais dele não sabia inglês e a “estória” da universidade colou. “Houve um total incentivo de nossa mãe, que providenciou o cumprimento de todas as exigências legais, inclusive de liberação junto ao consulado americano”, lembra a irmã de Robertinho, Ana Cristina, advogada , procuradora do Estado.

You are under arrest! “O senhor está preso”, foi uma das primeiras frases que Robertinho ouviu quando desembarcou no aeroporto de Miami. Nos anos 70, quando a repressão às drogas era tão intensa quanto atualmente, era comum jovens trocarem “presenças” via correios. Robertinho costumava mandar a boa erva pernambucana, em troca da difícil mescalina americana. Uma das cartas foi apreendida, exatamente a que anunciava sua ida aos States. O garoto passou por maus momentos. Foram seis horas de detenção:

“Me botaram nu e abriram meu rabo com um palitinho de sorvete, pra ver se tinha alguma coisa lá dentro. Eu fiquei nu, bicho, durante seis horas...nem de meia eu fiquei. Eles pegaram minha guitarra e a desmontaram toda. O salto das minhas botas, eles arrancaram pra ver se tinha coisa dentro.”

Sorte dele que o pai de Carl Kolb era um figurão na missão Batista dos EUA, e o guitarrista foi liberado, sem maiores problemas além dos constrangimentos narrados.
O grupo que Carl Kolb tinha para Robertinho era um desconhecido Candy Show String, que nem tocava rock, mas country music. Ele passou pouco tempo com eles. Virou-se em jam sessions, dando canjas em shows de bandas e artistas menores. Um dia, depois de um show num parque, um sujeito convidou Robertinho para participar de uma jam session que rolaria em sua casa.
Ele aceitou o convite meio cabreiro, chegou até a imaginar que o cara fosse viado, mas foi.
Depois de muito som, vinho e erva, o cara chegou para ele e de supetão falou: “Tá empregado”. O inglês do pernambucano não ia muito além do “thank you” e “good night”” . Foi preciso que Carl Kolb fizesse a tradução livre. Esclareceu que o maluco ali estava convidando-o para tocar na banda dele, a Watch Pocket, que havia emplacado um sucesso mundial com “Mammy Blue”. Logo se comentava com orgulho no meio musical do Recife que era a guitarra de Robertinho que se ouvia na gravação de “Mammy Blue”, um spiritual. Mas Robertinho não gravou discos com o Watch Pocket.
O Watch Pocket era de Memphis. Robertinho teria que viajar até lá para se juntar à banda. Ficou acertado que iria no dia 5, só que a data coincidiu com seu aniversário, e os amigos haviam lhe preparado uma festa. Partiu no dia seguinte, ainda viajandão. Foi uma bad trip. Literalmente. Ele mal se lembra da placa anunciando a entrada de Memphis. Aconteceu um grave acidente com o carro que o levava. Resultado: passou um mês no hospital, com paralisia facial. A mastodôntica conta hospitalar foi coberta com doações vindas de shows beneficentes. Ainda desconhecido no Brasil, Robertinho amealhou uma certa notoriedade no sul dos EUA, pois o acidente ganhou as páginas dos principais jornais da região.
Durante quase dois anos, ele tocou com o Watch Pocket, mas aí o visto expirou. Na véspera da banda começar a gravar mais um disco surgiu um problema burocrático. Para Robertinho continuar com o grupo, teria que sair do país e voltar novamente, pois não poderia assinar contrato como integrante fixo do WP com o visto de visitante que possuía. Havia uma saída que era o casamento com uma americana, mas aí ele poderia encarar uma convocação para o exército e pintar um Vietnã pela frente. Assim, a melhor saída para um músico brasileiro com documentação provisória nos Estados Unidos era a do aeroporto.
Em 1973, ele retornou ao Recife. O testemunho é de sua irmã, Ana Cristina:

“No dia em que Roberto chegou não houve surpresa quanto à sua aparência, mas somente alegria. Não houve susto porque ele sempre usou cabelos grandes, roupas coloridas e esquisitas para a moda convencional da época. Houve surpresa na forma de tocar, voltou em melhor e mais radical, utilizando novos instrumentos. Foi no regresso que trouxe a sitar na bagagem e uma guitarra transparente. Ah, voltou convertido à seita batista.”

Robertinho não teve problemas com a família, teve problemas com o Recife, onde não conseguia encontrar as drogas que usava nas viagens com o Watch Pocket. O fumo, que ainda era praticamente o único aditivo consumido na cidade (além dos chás de cogumelos) , não era suficiente. Ele ficou “limpo” na base do cold turkey, a síndrome da abstinência, que não raro leva à loucura. Robertinho não enlouqueceu, mas tornou-se profundamente religioso e entrou para um seminário em Delmiro Gouveia, em pleno sertão , entre Bahia, Pernambuco e Sergipe, uma das regiões mais inóspitas do país. Nesse seminário, e depois no Seminário Teológico Batista no Recife, ele passou dois anos. Nesse ínterim, conheceu e começou a viver com sua primeira mulher, Neuza, e logo teriam uma filha: a hoje cantora Roberta Little.
Zé da Flauta, que participou do Ala D’Eli, primeira banda formada por Robertinho depois que deixou o seminário, lembra que o guitarrista, a mulher e a filha moravam numa casa humilde, no bairro de Casa Forte. Tempos de grana curta, os três faziam refeições na casa do flautista, cujo pai era alto funcionário do Banco central e recebeu Robertinho e a sua família como se fossem filhos seus."

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