quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Robertinho de Recife - Parte 3

Trechos do livro de José Teles - "Do Frevo ao Manguebeat":
"Corria o ano de 1974, Fagner já havia gravado discos mas ainda não havia se tornado a estrela que seria pouco tempo depois. O agitado movimento musical do Recife o atraía. Ele foi um dos participantes do Festival 7 Cantos do Norte, organizado pelo pintor Tiago Amorim, e o único daquela fase com organização realmente irrepreensível. Andando pela Conde da Boa Vista, Fagner foi atraído pelo som que fluía de um templo batista. Em lugar de cantar as manjadas canções dos protestantes, Robertinho praticava os spirituals que aprendera nos Estados Unidos, esmerando-se em sofridos solos de guitarra.
Depois do culto, Fagner foi até o guitarrista, que já conhecia da fama que desfrutava no Recife, e o convidou para tocar com ele. Robertinho aceitou e participou do LP Raimundo Fagner. Integrado à banda de Fagner, não demorou para o carismático Robertinho (já tratado como “de Recife”) cair no agrado de pessoas influentes no meio artístico, como o visionário Nelson Motta, que incensava seu talento em sua coluna em “O Globo”. (NOTA DO BLOG: Em dezembro de 1985 Robertinho participou do programa “Mixto Quente” que Nelson Motta dirigia na TV Globo , apresentando shows ao vivo de grupos e bandas de rock, normalmente gravados na Praia do Pepino, no Rio de Janeiro).
Veio o disco Jardim de Infância, que recebeu todas as críticas elogiosas possíveis, mas não vendeu nada.”

NOTA DO BLOG: “Jardim da Infância”, disco produzido por Fagner e Robertinho , lançado em 1977, pelo selo CBS - não no EPIC que Fagner viria a dirigir em seguida e onde lançaria muitos artistas nordestinos - foi um disco fundamental e um marco na música instrumental brasileira além de contar com participações pra lá de importantes como Jacques Morelembaum, Sivuca, Herman Torres, Luizão Alves, Wagner Tiso, Chico Batera, Nivaldo Ornellas, Jamil Joanes, Márcio Montarroyos, Paulinho Braga, Serginho Boré, enfim, alguns dos músicos mais competentes do país. Só o coro que participou da faixa título já é de arrepiar: Marlui Miranda, Elba Ramalho, Geraldo Azevedo, Odaires (na época, esposa de Mirabô Dantas), Mirabô, Ângela, Ivair e Ibanês.

“No Rio, Roberto não se sentia legal. A filha havia ficado no Recife, com sua família, enquanto ele e a mulher viravam-se como dava numa cidade onde ele ainda era pouco conhecido e dependia exclusivamente da boa sorte de Fagner. O casal teve um segundo filho, Abel, falecido de meningite, enquanto Robertinho gravava com Fagner. Foi mais um baque e a decisão de voltar para o Recife, com apoio dos pais, e uma mais radical: a de abandonar a música.
Decisão que lhe pareceu tão consolidada ,que um dia recebeu um telefonema de Fagner, dos Estados Unidos, com uma proposta que qualquer músico brasileiro teria aceitado sem titubear. Entrar para o grupo Chicago, então um dos mais bem sucedidos do mundo, cujo percussionista era o brasileiro Laudir de Oliveira. Um guitarrista do Chicago havia morrido, e em conversas com Fagner, Laudir de Oliveira soube do talento de Robertinho e mandou que Fagner lhe fizesse o convite. Robertinho recusou. Por quase um ano ele nem sequer pegou numa guitarra.
Foi Fagner novamente quem o trouxe de volta à música, de onde ele nunca mais saiu. O cearense iria gravar um novo LP, e queria a guitarra de Robertinho nele, nem que fosse numa só faixa. Ele participou de uma única faixa mesmo, a melhor de todas, e o maior sucesso de Fagner até hoje, “Revelação”:

“Era exatamente o que eu estava pensando, “Quando a gente tenta/De toda maneira/Dele se guardar/Sentimento ilhado...” Eu passei tudo pro solo, cheguei com o coração todo despedaçado e botei aquilo tudo na guitarra. Foi como se eu estivesse escrevendo uma carta sobre o que estava sofrendo. A música pipocou e me consagrou mais ainda”.

Chegou, enfim, a época das vacas gordas. Ele passou a ser músico requisitado e com liberdade para gravar o que quisesse. Gravou seu maior sucesso, “O Elefante”, tocado no país inteiro. Daí por diante,a carreira dele decolou. Montou algumas bandas comerciais: “Eu vi que no Brasil só fazia sucesso música de merda. Quanto pior a música, mais sucesso faz, com rara exceção.” Vieram a seguir a fase heavy metal, em seguida o pop fácil do Yahoo, uma banda feita para tocar no rádio. Paralelamente a esses projetos conhecidos, Robertinho de Recife usou seu estúdio para gravar, com nomes de artistas ou grupos fictícios, discos populares, tipo Os grandes sucessos de...com hits internacionais, clássicos, standards. Enfim, esses CDs que se encontram nos tabuleiros de liquidação.
Mais de três décadas depois de se tornar o primeiro ídolo nordestino da guitarra, Robertinho de Recife passou a preferir a discrição dos bastidores. Do seu moderno e concorrido estúdio na Barra, no Rio de Janeiro, ele grava de tudo, dos amigos de longa data – Geraldinho Azevedo e Zé Ramalho – até excentricidades fonográficas como Falcão. Prefere o anonimato, e diz não gostar quando lê em algum jornal que ele assina a produção de determinado disco. Convite para tocar só raramente aceita. Enfim, de Robertinho pode-se dizer que ele entrou e saiu de todas e agora só quer ficar na sua.”

Como diz o texto do escritor e jornalista José Teles, “Robertinho agora só quer ficar na sua”, mas ele deixou sua marca na moderna MPB, com solos inesquecíveis e principalmente participações memoráveis nos shows de Fagner, como no ano de 1986 quando ele tinha o seu “bloco instrumental” dentro do show e arrancava aplausos do Canecão lotado, principalmente quando solava as “Bachianas”. Outra participação de Robertinho digna de registro foi durante o show que Fagner realizou no Circo Voador de Fortaleza em julho de 1986 quando ele fez um “duelo instrumental ” com Manassés que já valia o ingresso.
Outro momento histórico na carreira desse grande guitarrista brasileiro foi a sua participação no recital que Fagner fez na Sala Cecília Meireles em 1991 , junto com outro mestre do violão, Nonato Luiz.

Além de sua discografia de LPs, Robertinho também tem alguns compactos interessantes em sua carreira como aquele em que participou do Festival MPB-Shell de 1981 com sua parceria com Jorge Mautner na música “Encantador de Serpentes” e outro compacto lançado no mesmo ano, pela RGE, com as músicas “Só pra você ver” (outra parceria dele com Mautner) e “Gemedeira” (dele com Capinan).

Superando as suas aparentes limitações físicas para o manuseio da guitarra e as armadilhas do destino, a música falou mais alto e Robertinho de Recife se tornou uma referência quando se fala em guitarra no Brasil e mais do que de Recife, ele é do mundo, como bem define o título de seu disco de 1983.


DISCOGRAFIA

1977 – Jardim da Infância – Selo CBS no. 230011
1978 – Robertinho no Passo – Selo CBS no. 138029
1979 – E agora pra vocês...Swingues Tropicais – Selo CBS no. 138159
1981 – Satisfação- Selo Philips no.6328 342
1982 – Robertinho de Recife e Emilinha - Selo Ariola no. 201 646
1983 – Ah, Robertinho do Mundo – Selo Ariola no. 813 599-10
1984 – Metal Mania – Selo RCA Victor no. 103.0629
1988 – Yahoo – Selo EMI no. 064791 180
1990 – Rapsódia Rock – Selo EMI no. 7944021

Um comentário:

Poeira e Cantos disse...

Grande Robertinho.
O "Jardim da Infância" foi um dos meus primeiros vinis, inesquecivel.

Falcão
http://poeiraecantos.blogspot.com/