quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Luiz Gonzaga - A entrevista - Parte 3


O PASQUIM – Quantos filhos você tem ?

GONZAGA – Eu tenho um casal.

O PASQUIM – Ele é o mais velho ?

GONZAGA – É. Eu tenho uma filha com 19 anos , Rosinha. Pois bem, eu queria fazer aquele tipo de pai durão. Hora de chegar, essa coisa toda e ele muito vivo, inteligente pra burro. Ele não foi totalmente criado por mim desde o início. É uma história muito bonita que existe na vida dele, na nossa vida.

O PASQUIM – Você pode contar pra gente ?

GONZAGA – Posso. O Luizinho já se libertou completamente. O Luizinho encontrou uma família que dava apoio a jovens artistas e ele se sentiu em naquele meio e me disse que eu ficasse tranqüilo, que não me preocupasse, que se por acaso ele não viesse dormir em casa algumas noites, era porque ele estava cuidando de festivais e se sentia bem na casa do Doutor Porto Carrero, essa coisa toda. Aí ele foi ficando, foi ficando e finalmente com a vitória dele nos provou que estava certo, não adquiriu vício nenhum, e hoje é ídolo lá em casa. Mesmo que eu quisesse pensar diferente, a Rosinha não deixaria porque é uma amizade muito sincera, muito pura e nós não queremos ser velhos boko moko. O Luizinho é um rapaz que tem tudo pra se sentir muito seguro. Primeiro nós não escondemos nada dele. Ele é chamado de vez em quando pra ser consultado nos negócios que eu pretendo fazer. Ele pode se considerar filho do povo e isso é muito importante porque Luiz Gonzaga é povo, é gente. Ando de acordo com a minha maneira de pensar, e ele próprio tem poucas coisas a me censurar. Quando tem que discordar, ele discorda mesmo.

O PASQUIM - Você gosta das músicas dele ?

GONZAGA – Eu gosto muito da linha melódica das canções do Luizinho. Ele tem uma harmonização muito bonita. Eu fico por aí porque eu não entendo bem as letras.

O PASQUIM – Gonzaguinha porque você parou aquele caminho que você abriu no primeiro festival universitário ? Era uma música fácil, que a Neide Maria Rosa cantou. É verdade que você criou um estilo, que é a coisa mais difícil de um compositor criar. Dos jovens, você é o único que criou um estilo. Mas porque você abandonou aquela linha e partiu pra essa coisa mais elaborada que o seu pai não entende ?

GONZAGA – Isso eu respondo. Eu acho que em “Pobreza por Pobreza”o Luizinho estava com uma linguagem muito direta, muito descoberto. Ele procurou fazer músicas mais elaboradas porque se alguém quiser lhe enquadrar, aí ele vai discutir. Ele está dando o recado poético dele, não está prejudicando ninguém. O Luizinho é o único dessa jogada universitária que tem aí que não está fazendo música pra ganhar dinheiro.

O PASQUIM – Você disse que tinha um entusiasmo muito grande por Lampião. Você chegou a conhecer o bando ?

GONZAGA – Não.

O PASQUIM – Você teve vontade de ir pro bando ?

GONZAGA – Tive loucura. Eu era doido que Lampião passasse por Araripe pra eu seguir o bando. Quando deu-se o grito: Lampião vem aí! As famílias todas foram para o mato e eu fui sob protesto. Ele precisava de um sanfoneiro, de um menino de chapéu de couro fazendo bonito e tirando retrato.

O PASQUIM – Quantos anos você tinha ?

GONZAGA – 15, 16, por aí. Nós nos escondemos no mato Aí no dia seguinte minha mãe disse assim: quem é que quer ir lá no Araripe pra saber se Lampião já passou, se povo já voltou ? Eu digo: eu. Aí voltei correndo. Quando eu cheguei no Araripe todo mundo tinha voltado, menos nós e Lampião não tinha passado. Foi quando ele foi ver o padre Cícero em Juazeiro. Tudo indicava que ele ia passar por ali, mas pegou outro caminho. Quando eu voltei pro rancho onde a gente estava escondido eu disse: vou me vingar. Aí gritei: corra gente, Lampião vem aí. Ah, menino. Foi um tal de rede debaixo do braço, todo mundo se arrumando pra correr, aé eu: é mentira. Todo mundo já voltou pra casa só nós é que estamos aqui. Minhas irmãs, meu pai, minha mãe, todo mundo me cobriu. Levei o maior pau por causa de Lampião. Não conhecia Lampião, mas a primeira chance que eu tive, mandei buscar o chapéu, quebrei na testa, peguei uma sanfona e saí cantando as histórias de cangaceiro por aí.

O PASQUIM – Luiz Gonzaga, o sanfoneiro de Lampião.

GONZAGUINHA – Antes dele começar a gravar houve a maior briga dentro da Victor porque o pessoal não queria que ele cantasse.

GONZAGA – Eu sabia que não havia mais quem comprasse os meus discos. Eu tocava, era um disco por mês. Eu precisava cantar. Eu já vinha tocando por aí nos dancings e cantava uns negocinhos. Mas o diretor, Vitório Lattari, não queria que eu cantasse. Tinha me visto cantar num dancing e achava que eu cantava mal. Quando fui ensinar ao Manezinho Araújo a cantar “Cortando Pano”(Alfaiate de primeiro ano), eu chamei ele e disse assim: olha aqui, eu tenho uma rancheira aqui pra você. Aí mostrei, repeti, ele disse: não pode fazer embolada, não ? Eu disse: não, Manezinho, embolada não. Eu não canto assim. Aí ele ficou furioso: ah, querendo me ensinar a cantar, é ? Um cantorzinho de meia tigela querendo me ensinar a cantar. Eu digo: e agora perdi meu cantor predileto. Nessa época eu estava contratado pela Tamoio, e ousei cantar um número no meu programa. No dia seguinte estava escrito na parede: ao sanfoneiro Luiz Gonzaga é proibido cantar. Assinado, Fernando Lobo. O Anselmo Domingos era diretor auxiliar do Fernando Lobo. Eu digo: como é, Anselmo Domingos ? Ele disse: por mim você cantava, porque eu acho que você tem uma maneira própria de cantar, mas o homem é diretor. Eu desci da rádio todo frustrado. Aí eu encontrei o Átila Nunes. “Luiz, você vai cantar no meu programa.” Eu disse: acabo de ser proibido de cantar na rádio. Ele disse: no meu programa você pode. O Fernando manda na rádio, mas no meu programa mando eu e o meu patrocinador. Você vai cantar no meu programa. Então, eu entrei, Átila Nunes me apresentou, xaxou comigo. Aí eu comecei no programa do Átila Nunes e o Fernando Lobo não pode dizer nada. Aí eu me armei até os dentes e fui falar com o diretor da RCA Victor. Olha, eu estou cantando no programa do Átila Nunes. Já tenho duas cartas lá. Ele disse: ah, é ? Então trás essas cartas aqui. Quando eu fui apanhar as cartas, já tinha mais de dez. O povo pedindo pra eu cantar “Alfaiate do primeiro ano”, “Dezessete e setecentos”. Aí eu mostrei as cartas pra ele e ele disse: mas mesmo assim você não vai gravar aqui, não. Eu disse: então você vai me dar uma permissão por escrito pra eu gravar na Odeon porque Felisberto Martins me prometeu que eu posso gravar lá com outro nome e eu vou gravar lá com o nome de Januário, que é o meu pai. Aí ele disse: bem, você grava aqui, mas não vai fazer o disco inteiro cantado, só uma face. Eu disse: tá certo. Naquele tempo todo mês eu ia receber dinheiro e tinha trezentos mil réis. Parecia um ordenado. Vinha aquela quantia certa. Aí eu gravei “Dança Mariquinha”. Lançou-se o disco. No fim do mês tinha trezentos e cinqüenta mil réis. Eu disse: tá vendo ? Subiu! No outro mês foi quatrocentos. Aí comecei a gravar “Cortando o Pano”, “Mula Preta” e tudo por aí, até que veio a fase do baião.

O PASQUIM – Você chegou a ser amigo de Pedro Raimundo ?

GONZAGA – Eu me inspirei nele. Foi uma influência muito grande, Pedro Raimundo. Mas deixa eu explicar. Nessa época que eu estava lutando com Miguel Lima, J, Portela e Manezinho Araújo, eu ainda não era cantor e foi nessa mesma fase que eu encontrei Humberto Teixeira. Nessa época eu não estava gravando porque a RCA Victor estava mudando a fábrica pra São Paulo. Eu estava parado. Parei de gravar no estilo que eu estava fazendo com Miguel Lima, J. Portela e outros, e passei a fazer música com Humberto Teixeira. Nessa fase é que lançou-se o baião com Quatro Azes e um Coringa, Juazeiro e Mangaratiba.

O PASQUIM – Você disse que o pessoal do Rio não liga pra você. Você não acha que talvez o pessoal do Rio não tenha esquecido você. Você que tenha esquecido o pessoal do do Rio ? Você acha que se você fosse ao Maracanãzinho não lotaria ?

GONZAGA – Acho que não. Aqui tem muito pouco nordestino. Eu acho que com esse meu disco novo que vem aí, em que eu canto música de Caetano,. Gil, Dori Caymmi, Nonato Buzar, Capinam, meu Luizinho que está aqui perto de nós, esta turma bacana, eu acho que vou ter uma oportunidade muito boa. Eu acho que eu estou cantando melhor. Eu acho que eu consegui aprender a cantar diferente aos 59 anos de idade. Meu professor chama-se Rildo Hora. Foi quem produziu o meu disco. Praticamente me ensinou a cantar novamente. Eu vinha cantando há trinta anos com uma sanfona, com meu próprio acompanhamento, com as minhas mãos, com um domínio todo meu. Agora encostar este instrumento e me sujeitar a cantar com um acompanhamento distante é preciso aprender de novo. O Rildo Hora teve um carinho que eu acho que só o Luizinho poderia ter tido. O Luizinho assistiu à gravação do baião dele e ouviu algumas faixas.

O PASQUIM – O seu prefixo é aquele: “Vai boiadeiro que a gente já vem”, não é ? Queríamos que você contasse uma história que aconteceu com você num circo a propósito disso.

GONZAGA – Foi lá no Iguatu. Eu estava sendo esperado lá no Iguatu e o encarregado do amplificador mandou um olheiro lá pro hotel, pra quando eu chegasse dar o aviso. Aí quando cheguei no hotel, o olheiro fez um sinal pra ele e ele botou um disco que tenho chamado “Aboios e Vaquejadas”, que tinha um gado mugindo, chocalheira tocando, cachorro latindo . Lá no sertão, quando passa uma boiada por dentro da cidade, a cachorrada toda fica latindo. Pois bem, quando tocou esse disco, os cachorros foram latir no pé do poste onde tinha os auto-falantes.

O PASQUIM – A Rosinha já era nascida quando você fez a música que fala dela ? Canta aí um pedacinho.

GONZAGA – Humberto Teixeira é que escolheu esse personagem para figurar nossas canções, como moça romântica do sertão.

O PASQUIM – Mas a Rosinha ainda não era nascida ?

GONZAGA – Não. De tanto decantar esse nome, quando Rosinha nasceu eu disse: vai ser Rosinha em homenagem às canções. A música é de Klécius Caldas e Armando Cavalcanti.
“Quando eu chego na cancela da morada
Minha Rosinha vem correndo me abraçar
É pequenina , é miudinha, é quase nada
Mas não tem outra mais bonita no lugar
Vai boiadeiro que a noite já vem
Pega o teu gado e vai pra junto do teu bem”

O PASQUIM – E o Pedro Raimundo ?

GONZAGA – Quando eu mandei buscar meu chapéu de couro no sertão, eu já estava vendo Pedro Raimundo na Rádio Nacional abafando. Aquele gaúcho alegre, tocando, improvisando, fazendo versos e conversando, contando prosas. Eu disse: ai meu Deus do Céu, ele no sul e eu no norte. Vou imitar esse senhor, mas ninguém vai perceber que eu estou imitando. Ele é gaúcho, eu vou ser o cangaceiro. Eu queria cantar o nordeste, já estava cheio daquela gravatinha. Então, encostei o burro em cima de Pedro Raimundo. Ele gostou muito de mim, fizemos uma boa camaradagem.

O PASQUIM – Conta aquele caso que você contou do Pedro Raimundo, em Recife.

GONZAGA – Eu ainda não estava muito popular, muito no apogeu, mas já estava indo a Pernambuco. Pedro Raimundo era uma sensação. Não sei porque cargas d’agua pernambucano me confundiu com Pedro Raimundo. Chegou pra mim e disse: Oi, Pedro, tudo bem ? Você por aqui ? Eu disse: É , estou outra vez. Ele disse: puxa vida, você está fazendo um sucesso danado. Eu não sei é que graça acham no Luiz Gonzaga.

O PASQUIM - O Pedro Raimundo está onde ?

GONZAGA – Está no sul.

O PASQUIM - Vamos trazer o Pedro Raimundo de volta, ué. Convoca o Pedro Raimundo aí. Manda ele voltar que você garante.

GONZAGA – Pedro Raimundo, o pessoal do nordeste está falando muito em você, com muita saudade. Há também o seguinte: as pilhas Eveready estão querendo fazer um negócio com você pra viajar. Volta, Pedro Raimundo.

O PASQUIM – O detalhe é o tom com que ele falou. Pareceu rádio-amador.

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