quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Luiz Gonzaga - A entrevista - Parte 2


O PASQUIM – O que o Gonzaguinha vai herdar ?

GONZAGA – Ele não vai herdar. Ele já é dono de tudo. Então você acha que vou deixar os meus filhos pra herdar alguma coisa ? Quando eu morrer está tudo no nome deles.

O PASQUIM - Você tem quantas fazendas ?

GONZAGA – Minhas fazendas são deficitárias. Não rendem porque eu sou besta de estar dando duro aqui e os meus capatazes lá gozando a vida às minhas custas ? Eu tenho terras. Tenho um bom sítio em Miguel Pereira, tenho um bom apartamento na Ilha do Governador, que é a sinfonia inacabada porque eu estou sempre trabalhando nele. O Luizinho tem um bom apartamento dentro do meu apartamento. É um apartamento dentro do outro.

O PASQUIM – O seu nome todo, onde você nasceu, como você começou, esses dados todos, porque você deve ter histórias ótimas ...

GONZAGA – Eua nasci 13 de dezembro de 1912. Nasci na fazenda Araripe, município de Exu. Fazenda da família Alencar, todos sabidos como o diabo, mas eu não aprendi a ler lá porque não deu. Eu aprendi a ler no mundo. Nas placas de rua, decorando os nomes de jornais, decorando tudo por aí. Eu sou filho de dona Santana e do velho Januário, velho macho que me fez.

O PASQUIM - O que eles eram da fazenda ? Eram donos da fazenda?

GONZAGA – Donos da fazenda e cedem pedaços de terra para os pobres da fazenda plantarem.

O PASQUIM – Seu Januário era o que ?

GONZAGA – Meu pai trabalhava lá. Morava num alugado. Éramos agregados da fazenda.

O PASQUIM – Não é sua a fazenda agora , não ?

GONZAGA – Não. Quando eu ameacei tirar meu pai de lá e comprar um pedacinho de terra pra ele, os donos da fazenda disseram: não, nós não vende terra pra estranho, não. Mas Januário nós vende um taquinho. Aí, eu adquiri lá mesmo um pedaço de terra onde meu pai vive.

O PASQUIM – Januário está vivo ?

GONZAGA – Está vivo. Nós visitamos ele esta semana mesmo.

O PASQUIM – E sua mãe ?

GONZAGA – Minha mãe, infelizmente, não.

O PASQUIM – Seu Januário ainda está com os oito baixos lá dele, firme ?

GONZAGA – Ainda toca pras moças ouvirem. Não toca profissionalmente.

O PASQUIM – Ele está com quantos anos ?

GONZAGA – 85 anos.

O PASQUIM – Naquela época “Respeita Januário” você fala no velho Jacó. Ele existiu mesmo ou foi só pra rimar ?

GONZAGA – Não, o velho Jacó existia. Era nosso vizinho lá. Era muito encrenqueiro, bebedor de cachaça. Era um derrotista, não acreditava em nada. Até os dezoito anos eu fiquei ali acompanhando meu pai na roça e nos forrós. Onde ele ia eu ia pra ajudar o velho até que eu arribei. Caí, entrei no oco do mundo, até hoje.

O PASQUIM – Como é que você veio parar aqui no Rio com aquele sucesso ?

GONZAGA – Eu gostava muito de ser militar, mas quando eu senti que ia ter baixa, eu já vinha escutando Antenógenes Silva tocar, Augusto Calheiros cantar, Zé do Norte cantar na rádio, e eu achava que eu podia entrar ali desde que adquirisse uma sanfona grande e bonita. Aí fui economizando até adquirir uma sanfona e fui treinando lá em Juiz de Fora. Nessa época eu estava em Minas, em Juiz de Fora. Eu fui treinando com um mineiro chamado Domingos Ambrósio, que me ensinou umas posições. Quando chegou a minha baixa eu disse: agora eu vou pro norte. Tocar bem eu não sei, mas muita gente vai me pagar só pra ver essa sanfona, porque ela era bonita mesmo. Eu já estava assassinando algumas coisas de Antenógenes Silva, e treinando também na jogada do Calheiros. Eu saí de Minas pro Rio de Janeiro e do Rio eu ia pegar o navio pra Recife. Era pernambucano e sou com muita honra. Quando eu cheguei no Rio de Janeiro me hospedaram num quartel. E eu com a sanfona guardada com medo de ser roubado. Um soldado carioca, muito malandro perguntou se aquilo era um piano de joelho. Eu disse que era. Ele disse: toca, gente fina. Aí eu puxei a sanfona no quartel. Ele disse: não toque mais não, que eu tenho um lugar pra gente ir. Aí eu disse: pode ? Ele disse: pode eu sou seu guarda. Aí ele me levou pra uma rua que tinha ali perto do Mangue, que naquele tempo era muito movimentada, tinha muito marinheiro estrangeiro, estava começando a guerra. Foi de 39 para 40, ainda tinha muito marinheiro alemão. Eu comecei a tocar por ali assassinando Strauss, Zequinha de Abreu, Gardel, vários compositores da época.

O PASQUIM – Você tocava dentro da zona de metrício mesmo ?

GONZAGA – Isto mesmo. E correndo o pires ali naquelas mesinhas.

O PASQUIM – O soldado era teu sócio ?

GONZAGA – O soldado tirava uma percentagem.

O PASQUIM – Como era o nome dele ? Marcos Lázaro ?

GONZAGA –Aí apareceram lá uns cearenses universitários que começaram a me interrogar : você não sabe nada lá do norte ? Eu digo: eu sei umas coisas que eu tocava quando eu tocava sanfona de oito baixos, mas não dá aqui. Eles disseram: dá. Se procurar você acha. Está aqui uma boa gorjeta, a gente volta pra semana e só vamos dar dinheiro a você se você tocar uma coisas daquelas dos pés de serra lá do Araripe, da tua terra. Eles eram muito camaradas, aí eu comecei a relembrar as coisinhas que eu tocava quando era moleque, acompanhando meu pai. Quando eles voltaram eu taquei um pé de serra neles. Aí eles disseram: ei, pêra aí, o seu caminho é aí. Você tocando música de gringo ? Aí eu toquei o “Vira e Mexe”em cima deles. Aí eles me convidaram a visitar a república onde eles moravam, na Lapa. Era de zona à zona. Lá eles tinham um prédio por conta deles. Quando eu cheguei nesse prédio eles disseram: eu te apresento aqui o presidente da república, fazendo blague, porque tinha um moreno lavando as cuecas dele vestido de calção. Aí ele disse: muito prazer, Armando Falcão, que posteriormente foi deputado e governador do Ceará. Ele era estudante pobre na época. Foi aí que eu peguei o caminho da música do norte. Eu comecei a tocar essas coisinhas na zona e comecei a agradar muito mais, porque eu estava com uma jogada nova. Em todo lugar que eu ia ouvia tocar choro de Ernesto Nazaré e eu comecei a querer aprender esses choros de Ernesto Nazaré pra minha sanfona e aí fui desenvolvendo uma técnica melhor. Apesar de até hoje eu ter uma técnica completamente errada porque não tive quem me ensinasse. Aprendi quase que sozinho. Quando eu bati no programa do Ary Barroso eu fui tocar valsa. Nota um, nota dois, nota três. Até que um dia ele me gozou: de novo por aqui ? Eu digo: hoje eu vou tocar um negocinho do norte. O que é que vai tocar ? Eu digo: “Vira e Mexe” Ele disse: então arrivira e mexe. Eu mandei brasa e fui classificado. Daí pra cá choveu na minha roça e nunca mais faltou feijão.

O PASQUIM – E o negócio do chapéu de couro e tudo mais. Como é que você criou a imagem ?

GONZAGA – Isso é muito importante. Naquela época eu percebia que todo o cantor regional, todo o cantor estrangeiro tinha uma característica própria. O gaúcho aquela espora, bombacha, chapelão. O caipira tinha lá o seu chapéu de palha. O carioca tinha a famosa camisa listrada. O chapéu coco. Os americanos, os cowboys. Quando Pedro Raimundo veio pra cá vestido até os dentes de gaúcho eu me senti nu. Eu digo: porque é que o nordeste não tem a sua característica ? Eu tenho que criar um troço. Só pode ser Lampião. Apanhei por causa de Lampião. Eu digo: eu vou usar o chapéu de Lampião. Aí escrevi para a mamãe pedindo um chapéu de cangaceiro com toda urgência. No primeiro portador que ela teve, ela mandou o chapéu.
Rapaz, quando eu botei o pé no palco da Rádio Nacional, só faltaram me matar de raiva. Como é que você, um mulato formidável, um artista fabuloso se passa por um negócio desse ? Reviver o cangaço, cangaceiros, fascínoras, ladrões, saqueadores ? Eu disse: não se trata disso. É outra coisa. Eu agora sou um cangaceiro musical. Aí eu fiquei com essa característica.

O PASQUIM – Quando é que o Humberto Teixeira apareceu na sua vida ?

GONZAGA – Humberto Teixeira apareceu numa fase justamente em que eu precisava de um letrista. Eu vinha lutando com outros companheiros, Miguel Lima, J. Portela, mas eles não sentiam o nordeste. Mas eu não queria cantar uma simples embolada. Eu queria cantar coisas bonitas do nordeste. Eu procurei ele e ele disse: Luiz, eu não posso resolver o seu problema. Mas eu tenho um cunhado que eu tenho certeza que vai resolveu o seu problema.

O PASQUIM – Humberto Teixeira nunca tinha se metido com música na vida dele ?

GONZAGA – Não. Ele já vinha fazendo uns sambas, uns negócios aí . Ele tinha muita tendência pra fazer música meio clássica. Ele escrevia música e tudo. Quando o Lauro me apresentou ao Humberto, eu disse: eu tenho um tema pra você botar uma letrinha. Chama-se “Pé de Serra”. Olha aqui. Aí ele foi fazendo os versos no joelho. Eu disse: está ótimo, Humberto. Ele disse: mas isso não é a letra definitiva. Eu disse: peraí, nessa aí você não vai bulir mais, não. A letra é essa. Ele disse: não, depois eu vou te dar a letra definitiva. Quando ele veio com a letra eu ainda achava que a primeira era melhor. Aí foi um sucesso.

O PASQUIM – Quais as músicas que são tuas e quais as que a idéia são de Humberto Teixeira ?

GONZAGA – Idéia de Humberto Tixeira é “Assum Preto”, “Mangaratiba”.

O PASQUIM – “Asa Branca”?

GONZAGA – “Asa Branca” a idéia é minha. “Respeita Januário”, a idéia é minha mas a letra é totalmente dele. Eu só contei a história pra ele. Quando eu voltei pro sertão, depois de quinze, vinte anos que eu tinha me afastado, eu queria saber quem era o melhor cantor de lá, ia investigando, querendo saber notícias. Pra todo mundo que eu perguntava ele iam dizendo: tocador aqui é Januário. O menino dele foi lá pro sul, mas não vem aqui, ficou por lá mesmo. Mas Januário aqui é o maior. A primeira música que eu toquei pro público eu notei que o povo não gostou muito. Então alguém gritou: Luiz, respeita Januário. O Humberto gostou muito dessa história e fez a letra.

O PASQUIM – O teu letrista predileto é Humberto ?

GONZAGA – Não tem nem dúvida.

O PASQUIM – E aquele que era médico, que morreu ?

GONZAGA – Zé Dantas ? Zé Dantas foi outro caso espetacular. Ele veio na onda do baião. Ficou naquela área de sertão, puro, autêntico, rimas fabulosas. E Humberto nessa área de asfalto, sertão, norte, sul.

O PASQUIM – Ele é um craque.

GONZAGA – É. Nós vamos voltar a produzir outra vez.

O PASQUIM – Nesse negócio da volta do Luiz Gonzaga, você não acha que o pessoal esqueceu um pouco o Humberto ?

GONZAGA - Humberto começou a ser injustiçado pelo Ceará, terra dele. Porque Lauro Maia era muito popular lá, os cearenses bebiam com o Lauro, cantavam com o Lauro e ele era tido como líder cearense. Logo após a morte de Lauro Maia aparece Humberto . Aí começaram a acusar Humberto de ter herdado o baú de Lauro Maia. Isso foi negativo pra ele. Como você sabe, o cantor sempre leva a melhor, e se Humberto tem aparecido, é porque eu faço questão de exaltar Humberto. Lá em Fortaleza nem adianta que ninguém acredita. Ele é um homem injustiçado. Agora, é um homem fabuloso. Ele fez um baiãozinho agora pra o elepê “O Canto Jovem de Luiz Gonzaga” e você vai ver que beleza . A letra é assim:

“Bicho, com todo respeito
Dá licença eu vou voltar
O desafio pra cabra macho enfrentar
Falei com Carmélio e Sivuca
Pro Zé Dantas o que eu fiz foi rezar
Mas o caso é que modestamente
Bicho, eu vou voltar
Bicho, falar não é preciso
Rei Luiz vai me ajudar
Caetano muito obrigado por me fazer lembrar
Não a mim mas aquilo que eu fiz
Pro meu Brasil cantar
Tá doido é duro seu mano
A gente tem que respeitar
Tem Gil, tem Capinam, tem Chico
Tem Tom pra dar o tom
Mas se pego a viola ponteio meus acordes mais ternos
É duro eu me esqueço os invernos
Bicho, eu vou voltar.”

O PASQUIM - A tua relação com o Gonzaguinha é boa, Luiz Gonzaga ?

GONZAGA – Houve uma coisa muito interessante. Eu tinha muito medo que o Gonzaguinha se desvirtuasse. Viesse a pertencer a um grupo mau caráter.

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