sábado, 15 de setembro de 2007

"Zé Ramalho faz a síntese do Nordeste"- Part 2

"No entanto, não foi cantoria e repente que Zé Ramalho se lembra de ter ouvido com atenção, pela primeira vez, mas Beatles e Roberto Carlos. Morava então em João Pessoa, meados dos anos 60, estudando no Colégio Marista. O sertão de Brejo do Cruz, onde nascera, a 3 de outubro de 1949, parecia uma lembrança opaca, uma fotografia.
-Meu pai, eu nem conheci. Morreu afogado num daqueles açudes do sertão quando eu tinha uns dois anos. Dizem que não fazia nada, era um seresteiro, um boêmio... A figura forte, para mim, ficou sendo meu avô, que foi até lá em Brejo do Cruz e tirou a família toda daquela situação de pobreza. Tirou mesmo, saiu puxando, retirante mesmo, em pau-de-arara. Levou a gente primeiro para Campina Grande, onde ele era fiscal, sabe fiscal de porteira como eles chamavam, ficava na fronteira controlando quem entrava e quem saía. Teve uma morte linda, meu avô. Parecia um rei. Morreu assim na cama na casa que ele construiu, com todos os filhos e netos e bisnetos em volta, eu fiquei assim comovido de tanta beleza, de ver uma pessoa indo adiante tão bonito, tão sereno, olhando em volta e vendo que tudo aquilo tinha saído dele, toda aquela gente. (É a figura já mítica do velho fiscal de porteira que abre o álbum de Zé Ramalho, evocado na canção "Avôhai": "Um velho cruza a soleira/de botas longas, de barbas longas, de ouro o brilho do seu colar/na laje fria onde quarava sua camisa e seu alforje de caçador/oh meu velho e invisível Avôhai").
De Campina Grande para João Pessoa e, lá o Colégio Marista, o rádio, os Beatles, os Rolling Stones e Roberto Carlos, as primeiras posições no braço do violão.
-Eu comecei a querer fazer música por causa do rádio, do que eu ouvia no rádio. E o que eu ouvia era isso, era principalmente Beatles e a coita toda da Jovem Guarda. Beatles, então, foi demais. A primeira vez que ouvi Beatles, fiquei impressionado, nunca tinha ouvido coisa tão forte, tão bonita. E, aí, os inevitáveis conjuntos para festa, baile, clube, boate: os Jets, os Demônios. "Era uma cópia mesmo, sabe, o que a gente queria era tirar a música, igualzinho ao disco. Mas foi muito bom como treinamento , como aprendizagem profissional."

Nota do blog: Zé Ramalho fez parte também de um grupo de baile chamado "The Gentlemen". Eles lançaram um LP, mas nesse disco Zé Ramalho não participa.


"E, como em todo canto - talvez mais aguda lá, em João Pessoa, "lá em cima", como Zé Ramalho diz "cidade pequena, restrita, onde o que influencia é o que vem do Sul, é como um grande alto-falante repetindo as coisas daqui de baixo"- a febre inicial dos conjuntinhos acabou tomando proporções maiores, uma tentativa meio louca, meio ingênua de viver, aqui, o sonho roqueiro que já estava terminando em seus países de origem.
-Ah, teve isso demais, lá. Eu toquei muito em festivais ao ar livre, essas coisas. Sabe, Woodstock, tudo isso, todo esse sonho, a gente acreditava pra valer. Só que as dificuldades lá eram imensas, era quase impossível fazer qualquer coisa, simplesmente não existiam os recursos.

Zé Ramalho chegou a vir várias vezes ao Rio, no início dos anos 70, "pra ver como é que era, o que estava sendo feito, quem tocava, como é que se fazia shows e tudo mais. Foi uma coisa louca, de dormir em banco de praça, virar rato de porta de show, essas coisas". Na época, estudava medicina - mas não por muito tempo. Já no segundo ano descobriu que não tinha nascido para ser doutor e resolveu buscar, na música, um caminho próprio. Pouco a pouco afastando-se de seus tempos de roqueiro, mas ainda sem saber em que direção ir, embora um antigo instinto, ou a memória que nunca morre, às vezes lhe soprasse, sem sentir, os rumos que segue, hoje. Foi, desse modo, por exemplo que, ao lado de outros jovens músicos nordestinos como Lula Côrtes, Paulo Rafael, Geraldo Azevedo e o próprio Alceu, que Zé Ramalho criou e executou o álbum duplo Paêbiru/Caminho da montanha do sol, para a etiqueta Rozenblit, selo original do Recife. Gravado "do modo mais artesanal, louco e carinhoso possível", em dois canais, durante quase todo o ano de 74, o álbum era uma espécie de suite em torno da legendária Pedra do Ingá, na Paraíba, rochedo coberto de misteriosas e indecifradas inscrições.

-Tinha muitos sons elétricos, mas eu já usava muito coisas como martelo agalopado, só que vestidas numa linguagem elétrica. Foi um trabalho lindo, que ficou assim como um registro histórico de uma época, de uma geração de músicos nordestinos.
O álbum nunca foi lançado comercialmente, e a maior parte de suas cópias foi perdida no alagamento dos depósitos da Rosenblit, durante as cheias do Capibaribe, no final de 74."

Nota do blog: Também raro e menos conhecido do público é o compacto simples "Réquiem para o circo - Made in PB", lançado em 1976 e que tem a participação de Zé Ramalho, declamando.\ um texto. Esse compacto, revolucionário para a época, era do grupo Ave Viola, da Paraíba, liderado por Dida Fialho, cantor, compositor e violonista de João Pessoa que ganhou o prêmio de melhor intérprete em um festival de música de São Paulo nos anos 70. O compacto é em formato de poster , dobrado em partes que formam a capa.







Um comentário:

ailton disse...

Se alguém tiver o compacto REQUIEM PARA O CIRCO/MADE IN PB e desejar vende-lo, por favor, me escreva: imaginario70@yahoo.com.br