"Aí começaram a aparecer os discos dessa geração, tendo sempre Lula Côrtes e Kátia Mesel como pano de fundo, ora nas capas lindas e no projeto gráfico diferente, experimental, ora na conquista de uma sonoridade "roqueiro-regional" que viria influir definitivamente na estética e no comportamento da música nordestina como forma de apreensão dos ícones da música mundial: Beatles, Rolling Stones, Ravi Shankar, Mahavishinu Orchestra, Yes, Pink Floyd, Jimmi Hendrix, Janis Joplin, etc.
São dessa época, 1973 em diante, os discos PAÊBIRU (de Lula Côrtes e Zé Ramalho, com participação de Alceu Valença, Geraldo Azevedo, Ivinho, Israel Semente, Jarbas Mariz entre outros). ODE A SATWA (de Lula Côrtes e Laílson, com uma música instrumental à base de violão folk e tricórdio, como prenúncio do que aconteceria em João Pessoa com o grupo Jaguaribe Carne, em 1974), MARCONI NOTÁRIO NO REINO DOS METOZOÁRIOS (com a participação de toda a galera pesada do rock-maracatu da época, já plantando as sementes do que seria o manguebeat), AVE SANGRIA (Banda que se chamaria "Tamarineira Vilage" e que tinha Marco Polo como sua base de letras e voz), FLAVIOLA (um disco de cantor muito interessante), entre outros, que foram aparecendo e compondo a cena nova e real da música pernambucana.
Recentemente, o jornalista José Teles lançou o seu livro "Do frevo ao manguebeat" (Editora 34, São Paulo), registro importantíssimo e detalhado de praticamente todos estes acontecimentos aqui relatados, bom de ser lido e estudado por todos aqueles que se interessam pela história da música popular brasileira atual (acho que o Livro das Transformações não está citado por José Teles talvez por se ligar mais nos aspectos gerais da música nordestina, mas é claro que o diálogo da música com a poesia sempre foi mais longe e sempre esteve muito presente em todos os grandes acontecimentos dessa época e os produtos do período testemunham isso. O futuro diria quem estava com razão, ou melhor, quem conseguiria ir mais longe, plantar mais árvores, fazer mais filhos e continuar se fazendo ouvir e ver e ler por esse Brasil e mundo afora. Kátia Mesel virou cineasta, com uma imensa lista de produções, discutindo a urbanidade e o mangue em sua dimensão política, sendo discutida em mostras por todo o país(produção pouco conhecida em João Pessoa), Alceu Valença, Zé Ramalho, Geraldo Azevedo e Lula Côrtes tiveram e tem um importante papel na música popular brasileira, com discos fundamentais, balizadores de uma evolução (via Raul Seixas) que a partir do começo dos anos 70 uniria pernambucanos e paraibanos no desenvolvimento de um projeto cultural que continua dando bons frutos até hoje.
O movimento manguebeat (Chico Science e Nação Zumbi, Mestre Ambrósio, Mundo Livre S.A., Otto, etc) atualizaria todos esses pressupostos plantados pelo movimento. Movimento este provocado pela ação espontânea e simples do fotógrafo Paulo Klein na cultura das cidades do Recife e Olinda (será que ele realmente teve esta importância sentida por mim no depoimento de vários artistas e produtores ? )
Quanto a Ariano Suassuna, teve uma atuação importantíssima nesse processo por ter criado o outro lado da margem desse rio caudaloso de expectativas fazendo caminhar com inteligência e honestidade lado a lado com essa tempestade desatada pelo rock no nordeste brasileiro, a chama de sua fé sebastiânica, seus causos, seus heróis de tantos cangaceiros de paletó e gravata. Ariano Suassuna e Jomard Muniz de Brito são os responsáveis históricos pela manutenção desse cabo de guerra cultural de tantos "palhaços degolados", imprescindível a qualquer contexto onde a inércia teve que ser tratada a pauladas, para resultar em marcos mais que técnicos, fundamentos mais éticos e estéticos. É claro que o movimento armorial ou romançal não conseguiu produzir o seu "livro das transformações", mas nem por isso deixou de dar as suas contribuições no resguardo dos valores da cultura popular e folclórica, radicalmente e conscientemente defendidas oir Ariano e seus seguidores durante a sua vida de escritor e intelectual. O bom é que essa onda toda mexeu e remexeu na história da cultura nacional para sempre e aí, sim, unindo e somando tudo, o nordestes tenha sido o grande livro das transformações da cultura brasileira para um novo modernismo, uma contemporaneidade politizada que vai sempre buscar a verdade das necessárias transformações. Nordeste de Capiba e Jackson do Pandeiro, de Hermeto Paschoal e Geraldo Vandré, de Augusto dos Anjos e Manuel Bandeira, nordeste do tropicalismo e do armorial, do manguebeat e do mistério que certamente continuará vindo para outros e novos abrigos estéticos. (Nordeste do Mestre Salustiano e de Chico César, de Cachimbinho e Didier Guigue, do Jaguaribe Carne e Zé Filho).
O livro das transformações tem tudo a ver com isso, hoje um farol que continua sendo o grande referencial de uma estética para o nordeste cangaceiro de néon, acrílico das contradições de um povo que ainda vai passar muita fome até conquistar o reconhecimento de sua liberdade armada por uma melhor condição de vida, para um novo começo de conversa. Por aí a gente vai melhor."
Pedro Osmar, 23/09/01
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