A revista “Chams”
circula no estado de São Paulo e tem
como público alvo principal, a comunidade árabe no Brasil. Em sua edição no. 258, de agosto/setembro de
2014, (pág. 34) publicou uma entrevista com Filipe Catto. Para os que não tiveram acesso à revista, transcrevo
aqui o texto completo. Sempre oportuno e
interessante conhecer a opinião de um dos maiores artistas que esse país tem.
Seção Bazaar – Por Micaela Fajuri Ferraz
Visionário à moda antiga – Sem medo de desconstruir o já
consagrado, Filipe Catto sobe nos palcos Brasil afora e deixa sua marca.
De fala mansa, beirando a timidez. No palco se agiganta. Novo nome da música nacional, já dividiu o
palco com Cida Moreira, Ana Carolina e
Ney Matogrosso, além de ter encarado um dueto informal com a “diva” Elza
Soares. Valente, performático, visceral,
sem medo de rótulos, um artista de opinião.
Conheça um pouco de Filipe Catto.
RM(Revista Chams) –
Você disse, a respeito de Saga, que ela aborda o “olhar pra frente, mas
reconhecendo as raízes”. Fale um pouco
de suas raízes.
FC (Filipe Catto) – Eu sou gaúcho, então os ritmos latinos
estão super presentes na minha formação.
Saga é um pouco fruto dessa combinação.
Ela é uma síntese dessa latinidade que eu carrego naturalmente, mas sem
ser saudosista.
RM –Muito da música
contemporânea tem pouco de realmente.
Inclusive suas referências musicais trazem muito da “velha guarda”. Você acha que há uma nova Música Popular Brasileira? Quais os limites da
inovação ?
FC – Não existe limite nenhum. Acho tudo que está acontecendo na música hoje
de uma riqueza absoluta. As fronteira se
dissiparam, então hoje eu sinto a música feita no Brasil cada vez menos
preocupada com esses limites. É o “indie
rock” misturado com o “brega”, misturado com o “funk carioca”, indo pro “ samba
de raiz”... Tudo pode. Adoro essa
loucura toda e adoro também os grandes cantores, os compositores
consagrados. Por que não?
RC – Mas essa
fronteira se dissipou há muito tempo, no Movimento Tropicalista.
FC – Sim, mas vem acontecendo de uma forma muito natural
agora. Independente de movimentos, existe na real comunicação global através da
internet, e isso reflete na música brasileira.
Tudo dialoga, muitos artistas trazem sotaques e cores de outras
culturas, até mesmo cantam em outras línguas.
Sem pertencer a nada, a música brasileira agora está cada vez mais
globalizada no bom sentido, trazendo influências e exportando ideias.
RC – Você disse certa
ocasião que Maysa é “rock’n’roll”. Você
pode desenvolver ?
FC – Rock, pra mim, é uma postura, uma atitude, não estilo
musical. A entrega da Maysa nas canções é rock’nroll. A Elis cantando “Atrás da porta” é rock’nroll,
porque é despudorado, é visceral. Isso é
o verdadeiro rock, transgressão, entrega, se jogar sem rede de segurança.
RC – Você agregou a
seu repertório canções como “Olhos nos olhos” com maestria, o que é quase uma
ousadia, quando consideramos que Maria Bethânia a tornou praticamente
definitiva. Sua versão de “Luz Negra” é
outro exemplo. Você diz que Nelson
Cavaquinho é um artista contemporâneo, no sentido de suas composições se
encaixarem em outros gêneros. Mas poucos
artistas se encorajam a transitar em terrenos arenosos. Falando de “Luz Negra”, que foi gravada por
diversos artistas, mas algo novo só se
vê em sua versão e na de Jards Macalé, ousaram tirá-la do terreno o samba puro. Você é um artista ousado, sem medo de
desconstruir o já consagrado. Até um
dueto com a “deusa” Elza Soares você já encarou.
FC – Eu gosto de música, não tenho muito essa
preocupação. Eu sou meio bicho nesse
sentido, porque música tem que bater, e
eu canto o que bate na minha praia e me toca.
Não interessa o quê, nem de que maneira.
Esse é meu lugar. O do intérprete,
acima de qualquer coisa. Mesmo cantando
minhas canções, quando eu canto, sou intérprete. O compositor morreu assim que a música ficou
pronta. E dentro desse universo, eu deito e rolo.
RC – Você diz que não
existe “ música brega”. Elas podem
comovê-lo ou não, mas se recusa a concordar com o rótulo. Mas a definição não poderia estar mais na
forma que no conteúdo? Você não acha que
o arranjo e a escolha instrumental podem deixar uma canção mais ou menos
elegante?
FC – Acho que depende do olhar que se dá para a música. Independentemente de gênero, essa coisa de
rótulo na canção é uma idiotice. Eu
gosto de coisas de tantos lugares, que acho uma burrice prender uma música a um
lugar só. “Garçom”, que gravei, pra mim
sempre foi uma grande canção, digna de Maysa, Dolores Duran. Eu só fiz revelar esse olhar que eu tenho pra
ela, nada mais.
RC – Chams circula
principalmente entre a coletividade árabe do Brasil. Nosso país é um caldeirão cultural, formado
por imigrantes dos mais diferentes locais, porém criando uma nova
identidade. Você acha que isso
influencia a música brasileira?
FC – Totalmente. Toda
nossa música é fruto da mistura das culturas.
É isso que faz ela ser tão única e especial. A arte é reflexo do povo, e o Brasil é um
berço que abriga a todos, assim como todos os ritmos e possibilidades
artísticas. É uma maravilha.
Um comentário:
Muito boa a entrevista! obrigada por publicá-la!
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